domingo, 20 de abril de 2014

"A dor é minha a dor é de quem tem"



E o tempo sangrou a terra. E o corte foi de vida.

Brotava de suas sendas o sacrifício da existência obrigatória que o tempo lhe exigia. E florescia a carne apesar da aridez de seu interior.
Muitas vezes doía. Tantas outras alegria.
Na marra.
E a vida seguia.

O campo de flores até se enchia.
Mas não havia o perfume natural que se exala na primavera. Já tinha o perfume da lua, que em seu corpo deixava o lumiar de prata da química forçada a lhe dar frutos. A lhe dar vida.
E a vida seguia.

Irrigou a desesperança num leito tantas vezes de quase morte. Um anjo, dois anjos, três anjos assim ...
E a terra voltava a florescer sobre as chagas de suas veias abertas pro elixir da vida fluir.
Voltava a seguir o ciclo do tempo. Jamais desistia e a vida seguia.

Um dia, um chamado, foram 10 assim, a faca abriu a terra e expôs a doença ruim. Pra terra voltar a florescer livre e como tem que ser, de fora de alma singela, veio o brilho de vida perdida. Vida que foi pra vida vir. Entranhas abertas, dois órgãos renovados, trocados.

Cobre-se a terra. Expõe-se a cicatriz como um monumento ao tempo. Um novo tempo, um novo florescer. Mas a terra é cansada. Fora fecha a ferida em registro. Dentro, o corpo ainda pede tempo. Devagar o campo tende a perfumar. Mas ainda é tempo para arar, para adubar. Ainda cambaleia mas rejeita a dificuldade. Mesmo algumas em forma de palavras que lhe vem.
A vida tem que seguir.

E haverá o dia que dará frutos doces e perfumados. Seis meses só se passaram. A terra ainda carece do adubo, da água farta, do trabalho do arado. Mas já não tem a doença.
A vida seguirá, e florescerá.

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Neste 19 de abril completei 6 meses do transplante duplo. Muita coisa no meu corpo mudou e ainda está mudando. O mal que me afligia se foi. Mas aprender a conviver com o bem renovado leva tempo.
Continuo lutando esperançosamente para que essa adaptação não se prolongue muito. Por isso escrevo como uma das formas de conviver bem com isso, com o tempo.
Ainda vejo que tem muita gente que não entende minha luta. Luta de tantos como eu. Somos lutadores com sede de viver. Nos adaptamos para fazer nossa vida seguir. Não choramos nossas mazelas por aí. Mas as respeitamos. "A dor é minha, a dor é de quem tem."
Problemas neurológicos  me afetaram no começo do ano. Perda de força na mão esquerda e nas pernas. Mal consigo amarrar o cadarço dos calçados, fechar o botão da camisa. E quando ando um pouco as pernas doem. E não consigo correr. Fiquei em casa chorando as pitangas? Claro que não.
O caminho é longo e vou percorre-lo. Não importa como nem o que os outros achem. A missão é minha. Podem aprender um pouco comigo. Ou podem sofrer suas próprias dores.

Hoje quando todos falam de renovação, renascimento, comemoram a ressurreição de Cristo, lembro que há pessoas fazendo isso todo dia. Por vários motivos, de várias maneiras. A elas dedico essa postagem. Parabéns.



2 comentários:

  1. Isso mesmo meu rei, vc é um vencedor e está a cada ressuscitando das muitas mortes do dia a dia....Eu entendo suas dores, pois embora eu não tenha passado pelo transplantes, estou envelhecendo e as dores e fraquezas musculares são uma constante.Parece mentira que já se passaram seis meses,pois pra mim está acontecendo todos os dias, pois todos os dias eu ao me deitar me lembro de agradecer A Deus, o seu transplante e por vc estar entre nós..O milagre da vida, da sua vida, foi pra nós o melhor de todos os presentes.E quando se ganha um presente a gente agradece sempre.Acredito sinceramente que logo,logo vc estará livre desses incômodos que te angustiam e sua vida será mais alegre e mais feliz. Te amamos muito,lembre-se sempre disso. Milhões, milhões e muitos milhões de beijos da tia ía...

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  2. A primeira parte de seu texto está lindo! Parabéns inspirado!
    E sobre o fato de vc estar enfrentando e não reclamando ....eu sou prova testemunhal...quando te arrastei para caminhar a avenida paulista inteira! =;o)

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