sábado, 19 de fevereiro de 2011

Pro cafezinho da tarde: Crônica do Último Pão de Queijo

Testemunhas disseram que ele estava só. Ali, não muito escondido, entre os pacotes e o café. Mas por que estaria sozinho? Será que teria sido deixado como opção aos demais pacotes que ali estavam? Talvez teria sido simplesmente esquecido como o último membro a empanturrar uma já saciada vontade! Um desejo suplantado. Um apetite já vorazmente aplacado do qual somente aquele solitário herói, sobreviveu. Restou-lhe... só!
E por que ali? Dentre tantos esconderijos possíveis dos quais certamente ele estaria mais protegido, sem ser notado, achado, ou perseguido por qualquer algóz, ele escolhera apenas “ali”. Aquele cantinho. Será que era frio que sentia, por isso acolheu-se ao lado da cafeteira? Quem sabe um flerte? Uma paixão ardente que se iniciara tão sutilmente quanto uma xícara de chá e uma porção de biscoitos de água e sal numa tarde fria de outono numa cidade qualquer abaixo do Trópico de Capricórnio. Ou talvez se achasse mais confortável trocando receitas com os biscoitos, que juntos, se apresentavam em volume parecendo ser seguro estar ao seu lado. Ainda que incertas todas as proposições, sem serem aparentes outras opções, ele permaneceu pura e simplesmente, ali!
“É de alguem?” Teria ecoado a pergunta por todo o recinto, fazendo a poética existência tornar-se nada mais nada menos, do que um lampejo de vida na contagem das eras. “É de alguém?” Tão vazia pergunta. Quase inaudível a quem nada imaginava. Quem sabe tratar-se-ia de apenas um pensamento, sentido, expressado de forma mais forte? Não, não e não!!! Para qualquer um, desatento com uma simples existência, talvez parecesse a frase das mais inocentes. Mas não para ele, que estava ali, tão só.
O volume dos pacotes já não lhe parecia tão seguro e imponente. O calor da cafeteira já não mais lhe aquecia perante o sopro do inverno que a pergunta trazia. “É de alguém” nunca o fez sentir-se  tão de ninguém.
Mais do que o sentimento de solidão que agora sua existência sentia, o vazio da resposta que se seguiu foi-lhe mais que devastador: “Não sei”.
Que desprezo sentira. Que insignificância haviam reduzido sua existência. “Não sei?”. Como se diz “não sei” se chove hoje; “não sei” se pinto de azul ou amarelo; “não sei” se espero ou não espero... mas um “não sei” que é de alguem, lhe fez toda a diferença.
Não mais a companhia dos biscoitos, não mais ao calor da cafeteira. O flerte teria existido? Agora seria apenas uma possibilidade banal do que teria sido sua breve existência.
Sentiu a sombra aproximar-se. Sentiu sua existência findar-se. Seria indolor? Seria rápido? Ou talvez demoradamente saboreado, pedacinho por pedacinho. Mordida, por mordida. Num ritual cruel, prolongando a dor do inevitável que era o seu fim. Mundo cruel este que despreza a alegria das pequenas coisas. Realmente pensou que num mundo de “não sei”, não mereciam sua companhia. A cor de seu sabor. O aroma de sua delícia.
Se há farelos como testemunha, ninguém por fim soube dizer se sofreu. Se foi rápido e indolor como desejara. Ou lento e torturante como temera.
Como Van Gogh, que foi reconhecido somente após sua trágica morte, há passagens de nossa existência que só serão reveladas após o fim dela. E foi o que aconteceu.
O flerte com a cafeteria, a companhia dos biscoitos, o local onde se encontrara acabaram tomando todo um novo sentido, tornando uma existência significativa para a história daqueles fatos. Para que não ficasse duvida sobre a importância que ele tinha em toda a conjuntura de situações, uma voz ergueu-se em sua memória, em sua defesa, em sua honra. Uma voz que não será calada e ecoará pela justiça daqueles que se foram, mas que jamais terão ido em vão. Uma voz que será eternizada pela chama da saudade de quem diz:“Não acredito!!! Comeram meu pão de queijo?”

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